Podcast Analógico

Vale a pena gravar audio em Fita Cassete ou em Gravador de Rolo?

Em 2019 eu iniciei um projeto de podcast com alguns amigos e a ideia era fazê-lo o mais analógico possível.

Na época eu havia comprado um Portastudio 424 da Tascam exclusivamente pra gravar em fitas cassete as nossas vozes.

Como éramos quatro, cada voz ficaria isolada numa faixa analógica, uma vez que esse Portastudio gravava simultaneamente quatro faixas de audio na fita.

Mas tudo era digitalizado após a gravação analógica e editado numa DAW sendo que a mixagem final era novamente feita analogicamente com um summing analógico que eu havia feito com simples resistores de carbono de resistência inferior à 1kOhm.

A saída do summing era ainda convertida para uma fita cassete tipo IV (Metal) num Tape Deck Sony da família ES com 3 cabeças!

Mas essa doidera toda, tornava o som melhor? Fez muita diferença? Ou era só dor de cabeça?

Especificando um pouco mais os equipamentos utilizados: inicialmente todos os quatros integrantes utilizavam um microfone Shure SM57.

Mas depois constatei que a minha voz e de outro integrante pareciam vozes de adolescentes por causa do SM57 atenuar as frequências abaixo de 150Hz.

Então, quando descobri isso, fiz testes com as vozes de todos ao utilizar o SM57 e o SM58. E por isso duas pessoas passaram a utilizar o SM58 e outras duas continuaram com o SM57, pois não tinham a voz alterada por conta da atenuação das baixas frequências no SM57.

Há uma grande diferença em utilizar uma fita cassete virgem e regravar a mesma fita.

E essa talvez seja a primeira grande dificuldade ao utilizar fitas K7, pois elas já não são produzidas em larga escala e por isso tem custo elevado e são difícies de encontrar.

Então possivelmente você terá que regravar sobre elas. E os tape decks quando apagam a fita (por isso há sempre no mínimo duas cabeças num tape deck: uma para apagar e outra para gravar/tocar) não conseguem apagar completamente aquilo gravando anteriormente.

O ruído de fundo se intensifica bastante a partir da primeira gravação e a partir das próximas tende a manter o mesmo nível.

Mas o material magnético da fita torna-se menos sensível também a partir da primeira regravação. Ou seja, precisa aumentar o volume a partir da primeira regravação da fita.

E a equalização/compressão natural da fita tende a ter uma resposta diferente daquela obtida com a gravação obtida quando ela era virgem.

Em resumo: gravar com uma fita cassete virgem é uma coisa. Regravar a mesma fita no mesmo equipamento é uma coisa totalmente diferente.

O Portastudio Tascam 424 dispõe de Preamps de Microfone e equalizadores de graves e agudos para cada canal. Então era necessário reconfigurar esses ganhos e a equalização ao utilizar uma fitas K7 virgem e uma já utilizada.

E esse equipamento permite apenas o uso de Fitas do tipo dois, aquelas feitas de Dióxido de Cromo, porque o PortaStudio é calibrado pra esse tipo de fita.

Esse tipo de fita K7 não se fabrica mais, então é necessário apelas para as ditas Fitas NOS (New Old Stock). Fitas que alguém comprou na década de 90 e guardou embalada até os dias de hoje.

Eu havia comprado algumas dessas na época e no primeiro episódio do podcast usamos uma Maxell de 90 minutos para o lado A do episódio e uma Sony de 100 minutos para o lado B!

Lembrando que como esse Portastudio grava as quatro trilhas de uma vez só na fita, não é possível virar a fita, porque todas as trilhas já estão preenchidas e a fita toca apenas numa direção.

Então o tempo de gravação se reduz à metade.

Uma fita de noventa tinha de fato quarenta e cinco minutos e uma de cem tinha cinquenta minutos.

E na verdade, na verdade mesmo, as fitas sempre tem uma pequena sobra no fim, então tínhamos uns 48 minutos para gravar o lado A e uns 53 minutos para gravar o lado B.

E aqui vem talvez o mair benefício de gravar podcast com equipamento totalmente analógico: A LIMITAÇÃO CAUSA URGÊNCIA.

É até difícil de explicar o que acontecia na hora, mas sentíamos uma certa urgência em falar as coisas num ritmo mais acelerado, porque quando acabava a fita, o gravador emitia aquele ruído alto de motor elétrico travando e uma mola soltando um item mecânico barulhento (plác!) que todos ouviam de imediato.

Muito diferente de um gravador digital que apenas deixa de piscar um LED e ninguém percebe que acabou o espaço na memória e leva-se tempo até alguém perceber que deixou de gravar.

Mas óbvio que eu não editava à moda antiga, copiando de fita pra fita ou mesmo cortando e colando pedacinhos de fita.

Essa loucura eu não topei, então depois de ter ambas as fitas gravadas, era hora de passá-las para o digital.

Até aquele momento o caminho do audio era: microfone > preamp do Portastudio > equalizador do portastudio > cabeça magnética gravadora > química de cada uma das fitas > cabeça magnética leitora > amplificadores para saída do audio

Para transformar em digital eu tinha que dar Play em velocidade normal de cada uma das fitas no Portastudio.

E tinha que ser no Portastudio, porque só ele tinha os quatro canais de audio em separado.

E eu plugava cada uma das quatro saídas numa entrada de Audio da interface Impact Twin da TC Electronic que eu tinha na época.

Então enquanto o audio ia sendo convertido eu já ficava ouvindo a gravação e pensando em como utilizar cada trecho.

Era interessante esse momento, mas tomava um tempo extra na edição.

E para converter em digital eu utilizava amostragem de quarenta e quatro mil e cem hertz com vinte quatro bits de resolução.

Mas aí você pode estar pensando “por que ele não convertia em 192 kHz?!”, já que essa interface tem capacidade pra essa amostragem.

O fato é que quanto maior a velocidade da amostragem, maior será o ruído digital presente no audio e mais difícil fica a remoção desse ruído.

Antes que eu entre nos detalhes do tratamento do audio digitalizado, cabe uma explicação sobre os equipamentos que gravam em fitas K7.

Um Tascam PortaStudio não consegue ter a mesma qualidade de gravação que um Gravador de Rolo consegue.

Isso porque o circuito eletrônico interno do PortaStudio não se equipara ao circuito desses gravadores, nem à mêcanica, ou mesmo à cabeça magnética, que é o elemento principal, que grava e lê das fitas a informação magnética.

Mas ele já é um equipamento analógico bom o suficiente para você captar voz com qualidade. E instrumentos que não ultrapassam os 12kHz no espectro de frequências.

No caso do Podcast Cinema na Lata, nós não tínhamos equipamento analógico com Compressor ou Expander plugado ao Portastudio.

E isso obviamente acarretou em problemas.

Problemas esses que ficaram bem evidentes no episódio 3 do Podcast, quando falamos sobre o filme Bacurau.

Ali chegamos no auge da pior qualidade sonora, o que nos levou a repensarmos completamente nossa estrutura de gravação.

Mas antes que eu comente sobre essa mudança que ocorreu a partir do episódio 4, eu preciso te detalhar a maluquice que era a edição do Podcast até o episódio 3.

Começava com uma suave remoção de ruído, sem retirar totalmente o ruído da fita, só diminuir um pouco mesmo e amplificar o sinal das vozes para alcançar os limites do volume digital em cada um dos oito arquivos de audio.

Na época eu fazia isso com o software Adobe Audition CS6, que foi a última versão do Audition que a Adobe vendia a licença. Eu comprei a licença em 2012 e desde 2013, se eu não estou enganado, ela deixou de vendê-la, partindo para o modelo de aluguel de software onde você precisa pagar mensalidade para usar o software.

E é por isso que eu jamais vou te recomendar o Adobe Audition.

Depois de tratar “de leve” o audio, eu importava os arquivos para um projeto no software Reaper.

O Reaper, se você nunca utilizou, é aquela DAW que parece meio inacabada e acho que só as pessoas que usaram Linux por muito tempo se sentem confortáveis em utilizá-lo, porque muita coisa nele não tem uma interface gráfica coerente e nem sempre é fácil descobrir como os plugins dessa DAW funcionam.

Você perde bastante tempo até aprender o básico pra Mixar com o Reaper. Mas é com certeza a DAW mais otimizada em termos de performance e funcionanlidades que existe atualmente. Já que roda bem em qualquer configuração de computador e com qualquer sistema operacional.

Para o episódio UM do Cinema na Lata, eu lembro de ter adicionado apenas um plugin compressor multibanda e mais um Limiter geral e o som do podcast já ficou bom o suficiente.

Mas se você ouvir com fones de ouvido esse Episódio UM do Cinema na Lata, você vai notar alguns problemas, então até o seu ouvido acostumar com o som, você vai ter alguma dificuldade em gostar de ouvir.

Mas a culpa não foi do PortaStudio nem das nossas fitas cassete… pelo menos não daquelas, porque saca só o que eu fazia, até o episódio 3, depois de terminar a edição no Reaper…

Eu queria fazer valer o termo “podcast analógico” e eu fiz um circuito somador, apenas com resistores, para mixar, juntar as trilhas, numa trilha estéreo, usando uma fita cassete tipo QUATRO.

Essas são aquelas chamadas de “Metal” (que não tem nenhuma relação com o estilo musical “Metal”) e são as mais caras e difíceis de se conseguir, mas pra chegar em 20kHz de espectro com fitas K7, você precisa usar essas.

Óbvio que eu poderia ter mixado digitalmente, direto com o Reaper, mas eu tinha um Tape deck sony de três cabeças da família ES, então pensei “por que não?”.

Ele tinha um nível de ruído bem menor que o Portastudio e por isso daria uma resposta melhor, ainda mais com a fita cassete tipo IV.

E novamente nesta etapa eu tinha que dar play em tempo real para fazer a mixagem analógica.

E esse processo era dobrado, porque eu tinha que enviar o audio digital em seis canais separados, que eram somados, mixados, pelos resistores e que iam chegar na fita tipo IV.

Em seguida à gravação eu tinha que dar Play uma última vez no Tape Deck, que enviava os dois canais estereo para a interface de audio que digitalizava uma última vez.

Mas não estava finalizado não, porque ainda era necessário converter em MP3.

E se você já acha absurdo esse lance de analógico pra lá e pra cá, presta atenção na doideira ainda maior que eu fazia pra gerar o arquivo em MP3!

A loucura tem nome: MP3 Enhanced, ou MP3 aprimorado. O que é isso?

É um arquivo de Audio MP3 onde é possível adicionar capítulos com uma imagem para cada capítulo.

Ou seja, a imagem de capa do Podcast vai mudando com o decorrer do episódio.

E o episódio UM (tanto o Lado A quanto o Lado B) do Podcast Cinema na Lata são repletos de imagens!

Você consegue vê-las ao utilizar algum player de Podcast como o Podcasts da Apple, o Pocketcasts ou outro similar que consiga ler MP3 aprimorado.

Era como se eu tivesse centenas de pedaços de vídeos para adicionar num projeto e tivesse que aplicar diferentes efeitos e cortes em cada um deles.

Isso sim dava muito trabalho e um trabalho chato!

Por isso o MP3 aprimorado durou só até o episódio três do Cinema na Lata, onde comentamos sobre o filme Bacurau, que foi também o fundo do poço da qualidade sonora.

Um dos vilões nessa deterioração do audio foi com certeza o meu summing feito com resistores.

Porque ele adicionava um ruído considerável, o qual não existiria se eu mixa-se sem exportar pro Tape Deck.

E o outro vilão foi não reconfigurar os equipamentos de gravação quando começamos a regravar as fitas cassete.

A partir do episódio 4, que é sobre o filme O Irlandês, a Fita K-7 era convertida em digital já na hora da gravação.

Eu tinha um daqueles Zoom H2, mas eu havia modificado ele para conseguir gravar QUATRO entradas de audio e não apenas duas.

Aí na hora de gravar, o Tascam Porstudio já enviava as leituras das quatro trilhas da fita cassete para as quatro entradas do Zoom H2 modificado.

Como são 3 cabeças no PortaStudio, na hora de gravar, a primeira cabeça apaga a fita, depois a segunda cabeça grava o sinal de entrada e a terceira cabeça já consegue ler (com apenas alguns milisegundos de atraso) o que foi gravado na fita.

E assim eu devo ter poupado umas 80 horas de trabalho extra.

Isso foi dessa maneira até o episódio 6, que é o episódio sobre o filme Parasita.

Por que durou só até o episódio 6 dessa forma?

Porque era o fatídico ano de 2020! E já não conseguíamos nos encontrar pessoalmente pra gravar.

Aí a partir do episódio 7, de forma totalmente remota e digital, resolvemos fazer cinco episódios sobre filmes do ano de 1999.

Pois não havia filmes novos estreando naquele momento e se você pegar a lista de filmes lançados no cinema no ano de 1999 você se surpreende com a quantidade de filmes excelentes!

Atualmente o Podcast Cinema Na Lata é Editado no Studio One e eu utilizo técnicas para mimetizar a gravação analógica que tínhamos quando utilizávamos o Portastudio.

Nesta DAW existe um deck especial chamado Engine MixFX, no qual você adiciona plugins que vão criar efeitos de crossfade entre todas as trilhas, ou seja, vai embolar todas as trilhas junto com um efeito, deixando o audio digital mais “amassado”, tal como o PortaStudio faz.

Nesse deck MixFX eu adiciono o Plugin chamado Tape da Softube. Ele é um plugin que emula as transformações de gravadores de rolo profissionais.

Esse plugin é muito bom porque ele tem vários controles e te permite dar um toque mágico na sua mixagem sem que haja distorção no audio.

Mas como esse plugin emula equipamentos de qualidade sonora muito boa, e não aquela típica distorção de equipamentos analógicos mais “caseiros” ou “semi-profissionais” como o Tascam PortaStudio, então uso mais um plugin, também da Softube o Dirty Tape.

Ele é feito mesmo pra “sujar” o seu audio.

Em resumo, eu não te recomendo fazer qualquer gravação de audio em fitas cassete ou mesmo utilizando caríssimos gravadores de rolo.

Porque são equipmantos muito caros e que precisam de manutenção constatemente além de muito conhecimento.

E se você enetende um pouco do processo analógico como um todo e entende bem de alguns plugins específicos, você já será capaz de se aproximar muito do som analógico real apenas utilizando a DAW e os plugins certos para aqui que você precisa.

Mas sim, gravar com equipamento analógico é muito mais divertido. E se pra você isso é o que importa, não sou eu quem tentará te impedir 😉

E falando em diversão, o link para o Podcast Cinema Na Lata lá no Spotify tá aí na descrição.